Ele, como não quer cá ver mais gente de turbante, votou no Chega

(Whale project, in Estátua de Sal, 14/03/2024, revisão da Estátua)


(Este artigo resulta de um comentário a um texto que publicámos, do Daniel Oliveira, sobre os resultados das eleições para a Assembleia da República de 2024, (ver aqui). Pela sua atualidade resolvi dar-lhe destaque.

Estátua de Sal, 14/03/2024)


Uma pessoa que vive na Alemanha também se espantava pelos motivos que muita gente invocava para votar no Chega. Por exemplo, um artista dizia: – Vou a Portugal e vejo lá aqueles indianos, aquela gente de turbante. Vou votar no Chega porque aquilo tem que acabar.

A criatura ainda argumentou: – Estás na Alemanha há 20 anos, vais a Portugal três vezes por ano, achas mesmo que vale a pena votar na extrema-direita e lixar a vida a quem lá está, imigrante ou não?

E teve como resposta: – Só lá vou três semanas e tenho de ver aquela canalha. É por isso que vou votar no Chega. Foi o motivo invocado por muitos.

Os motivos pelos quais se votou no Chega foram diversos, mas uma coisa já sabemos: ninguém o fez por bem. Foi sempre a pensar em lixar a vida a alguém. A não ser um pobre, ou um velho ou outro que acreditaram mesmo ser possível que as suas reformas miseráveis poderiam passar de 300 para 1000 euros.

Mas, aquela malta que nunca votou, porque dizia que “são todos iguais” – não interessando nada haver quem nunca tenha estado no Governo -, votou, basicamente, por querer virar do avesso a vida de alguém.

Eu sei que é complicado acreditar que, um em cada cinco portugueses – em algumas regiões mais de um em cada quatro -, está tão ressabiado com a vida que quer dar cabo da vida de alguém. Mas é com isto que vamos ter de viver.

E, claro, também a obsessão do PS com o excedente orçamental – que o levou a fazer tudo para deitar borda fora os parceiros de esquerda e a aproveitar a inflação, durante os últimos dois anos, para encher os cofres, em vez de tomar medidas para a mitigar -, e que criou o caldo de cultura que o fez perder meio milhão de votos, dando assim quase 30 por cento da votação a quem nos virou a vida do avesso, indo além da troika.

O PS foi hábil em chamar a si todo o mérito pelas medidas que, nos anos de 2015 a 2020, aliviaram o garrote imposto às nossas vidas nos anos anteriores. Na verdade muitas delas saíram de propostas – alguns dirão imposições -, dos partidos à esquerda.

Assim, conseguiu alcançar uma maioria absoluta, esquecendo-se de que – estando livre dos parceiros de esquerda que pediam o impossível, como disseram muitos comentadores da nossa praça -, também sofreria pressões várias, até dos poderes europeus para ter as contas certas.

Christine Lagarde

E o PS prosseguiu a sua obsessão com as contas certas enquanto o povo enfrentava a inflação e a subida assassina dos juros imposta por aquela senhora de cabelo lambido que um dia disse ter pena, era das crianças do Níger e não das crianças gregas que desmaiavam de fome na escola.

Talvez pensassem em usar os próximos dois anos para aliviar o garrote, esquecendo-se de dois fatores cruciais. Não tinham um presidente da mesma cor política mas sim um que, mais polido e com aquela conversa mole dos afetos, estava disposto a tudo para fazer a direita voltar ao poder, rapidamente e em força. Depois,  nunca lhes deve ter passado pela cabeça que o lawfare – a guerra judicial já aplicada, noutras paragens como no Brasil -, poderia, com a mesma eficácia, também ser aplicada deste lado do mar.

O irónico disto tudo é que o senhor, que assegurou que a nossa vida não estava melhor mas o país estava melhor, vai poder fazer alguns bonitos graças ao pecúlio acumulado pelo PS. Como a mais que justa recuperação do tempo de serviço dos desgraçados dos professores, que ainda têm, muitos deles, de levar com a barbaridade de serem colocados no Norte, sendo do Sul, e no Sul sendo do Norte.

E assim se repete o velho ditado: o dinheiro do usurário vai dar a mão ao extravagante.

Fica, para os homens e mulheres que estudam estas coisas, tentar explicar a razão pela qual políticos batidos caíram numa armadilha destas.

No meio disto tudo quem se lixa é o mexilhão. Ou seja, nós. Tenhamos ou não votado no Chega.


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4 pensamentos sobre “Ele, como não quer cá ver mais gente de turbante, votou no Chega

  1. A condição necessária para a demagogia ser eficaz é o empobrecimento da população. Claro que a imprensa escrita, radiofónica e televisiva não está na mão dos pobres, mas o mais importante é defender os salários e combater is despedimentos, mesmo nestas condições desvantajosas.

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